segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O homem, a caixa, a escuridão e o silêncio

Era uma vez um velho homem.

Esse velho homem estava preso em uma caixa muito pequena.

Essa caixa muito pequena estava enterrada bem abaixo do solo, onde nada era visto e nada era ouvido.

Havia apenas aquele velho homem, aquela pequena caixa, aquele ensurdecedor silêncio e aquela cegante escuridão.

O velho homem não sabia que estava preso em uma caixa sob o solo.

Ele não sabia o que era ouvir, porque nunca havia ouvido, nem nunca emitido um som.

Ele não sabia o que era ver, porque nunca havia visto algo.

E a caixa era tão pequena que ele não sabia que podia se mexer, porque nunca havia tentado.

O velho homem havia envelhecido nessas condições.

Mas, lentamente, o velho homem começou a pensar sobre “e se”s e “por que não”s e mexeu-se um pouco.

Ele sentiu seu peso pressionando as paredes da caixa.

Seu movimento fez um som.

O desconhecido som assustou o homem e ele próprio fez um som de surpresa.

Apesar de, inicialmente, ter soado baixo e rouco, falar era uma ferramenta poderosa que ele descobriu possuir.

Gradualmente, todas as circunstâncias que conduziram a vida do velho homem até aquele momento tornaram-se conhecidas a ele.

Ele se tornou ciente do quão velha sua pele era sob seu fraco e leve toque.

Ele se tornou ciente do quão apertada e pequena era aquela caixa.

Ele se tornou ciente do silêncio, e de que, na verdade,  ele poderia ser preenchido por som,  caso quisesse.

A escuridão continuava a ser um vazio espaço que oprimia seus sons, seus movimentos.

Depois de algum tempo, o velho começou a pressionar as paredes da caixa.

Ele percebeu que seja lá o que fosse aquilo que guardava-a - o solo que a envolvia - era supreendentemente macio e penetrável.

Não era tão rígido quanto a caixa que o comprimia fazia parecer.

Ele sentia uma insistente, inegável vontade de sair daquele reduzido espaço.

A caixa começou a ceder e, cada vez que o fazia, a vontade do homem ficava mais forte.

Então ele empurrou, e empurrou, e empurrou, e empurrou, e empurrou.

Pode ter levado doze dias ou três anos, o homem não tinha noção de tempo.

Mas, após intenso esforço, o homem sentiu uma desconhecida textura ao esfregar a ponta de seus dedos.

Era a terra.

Pela primeira vez, ele sentiu uma variação do que ele ainda não sabia ser temperatura.

Na ponta de seus dedos, sentiu algo diferente do que costumava sentir enquanto estava preso naquela pequena e aquecida caixa.

Era a molhada e gelada terra, que enviou um choque por seu braço.

Era uma peculiar realização, a que tomou conta da mente do velho homem.

Ele percebeu que possuía toda a força necessária para se livrar da caixa, da escuridão, do silêncio e de si mesmo.

Ele se sentiu poderoso, sentiu-se imbatível.

E, de alguma maneira, ele sabia que todos esses sentimentos estavam certos, que eles cabiam no seu propósito.

Já que ele é poderoso, ele é imbatível.

Uma última vez o homem esfregou o estranho material.

Uma última vez o homem analisou as condições nas quais vivia.

Uma última vez o homem abriu os olhos para ver apenas escuridão.

Uma última vez o homem empurrou, e empurrou, e empurrou.

E, pela primeira vez, o velho homem estava livre.

Pela primeira vez, o homem não estava mais restringido a quatro paredes de uma caixa muito pequena.

A luz do sol o golpeou.

Ele sentiu um calor tão diferente daquele que costumava sentir dentro da caixa, porque esse não era opressor, era libertador e estimulante.

Ele viu algo diferente da constante escuridão que o tornava ignorante.

Ele viu o abundante verde. Ele viu o azul.

Ele sentiu o vento. Sentiu-o contra a sua pele e brincando com o seu cabelo.

O homem não estava mais imerso em completo silêncio.

O vento brincalhão criou uma música que fez o homem querer declamar tudo que esteve guardando em sua mente, apenas para fazer parte do som que o envolvia.

Uma sensação de propósito ocupou a mente do homem.

Ela o fez proferir palavras que ele não sabia que conhecia, mas que pareciam apropriadas e certas.

Palavras de alívio, de felicidade, de liberdade, de auto-revolução.

O homem estava fisicamente livre, mas sua mente ainda não havia alcançado tal estado.

Ela estava intrigada, faltava efetivação. E o homem sabia que possuía o conhecimento para alcançar a auto-realização.

Então, ele se sentou na grama esvoaçante e acessou o reino mais profundo de sua mente.

Similar a quando estava se libertando da caixa, de sua antiga vida, ele não estava familiarizado com o passar do tempo, porque ele não possuía nenhuma experiência com seu conceito.

Pode ter levado doze dias ou três anos até que o homem finalmente entendeu.

Finalmente entendeu por que ficou preso naquela pequena caixa, por que foi cegado por aquela escuridão, porque foi ensurdecido por aquele silêncio.

O homem foi o responsável por seu próprio confinamento.

Permitiu que a opressão tomasse conta dele, porque ele havia criado-a.

Ela era de seu próprio feitio.

Essa consumação veio com seu relembrar de quando decidiu libertar a si mesmo e a sua mente daquelas precárias circunstâncias.

Havia sido trabalhoso, mas havia sido feito.

Ele havia se emprisionado e se libertado, fisico e mentalmente.

E, com essa compreensão, o homem alcançou a auto-realização.

Uma revolução havia acontecido abaixo e acima do solo.

A auto-opressão, aquela caixa, aquela escuridão e aquele silêncio haviam sido derrotados.

O homem estava finalmente ciente dos perigos da conformidade e da ignorância.

E, finalmente, o velho homem somos nós.

Nós ainda estamos na caixa, no escuro e no silêncio.

E, agora, é tempo de mudança.

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