quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Zenosyne

Acompanhei o crescimento dos pássaros que viviam na árvore da casa ao lado. Acompanhei o nascimento desesperado cheio de berros dentro do silêncio pavoroso de domingo. Vi o crescimento, vi os pelos nascerem vagarosamente e caírem aos poucos enfeitando o ninho, vi e ouvi choros específicos somente compreendidos pela própria mãe que voltava de papo cheio e lindamente alimentava os chorões. Vi a partida, vi os casamentos e a vida toda. Acompanhei cada voo, e cada tentativa deste. E no dia que foram todos embora senti a mais forte desolação ao ver que a vida passa e passou como as águas levemente geladas que lavam meu rosto todas as manhãs e que nem por um segundo sequer permanecem em minhas mãos, escorregando invisivelmente. O sentimento angustiante e dúbio que permeia meus sonhos pedindo como esmola respostas para a pergunta inevitável e ansiosa: estou mais vivo ou mais morto?

Depois que tentei voltar à vida, esta minha que continuava sem os pássaros, inseri-me parcialmente na dobra espacial que corria normalmente sem mim. Fui deformada ao longo do tempo por todas as angústias que pairavam por ali, todas profundamente avassaladoras, progenitoras de futuros ataques de pânico. O que parecia, para alguns, um simples último dia de aula era para mim um passo enorme num futuro inimaginável e grande como os monstros dos livros infantis, biologicamente esses pesadelos conscientes se expressavam por meio falta de ar e tiques nervosos, mãos paralisadas e suor incessante. Acostumei-me, e acho que, inevitavelmente, todos o fazem. O ato de viver, comer e dormir com a ansiedade injustificável. De gastar inutilmente toda energia que ainda resta para tentar conter nervosismos. De sofrer calado, sozinho. De se colocar na solidão e criar a máxima de que ela é mais sua amiga do que você mesma pode ser. De não saber viver sem a eterna vontade de fazer tudo e ao mesmo tempo ser indiferente a todos os desejos. Fazemos todos, inconscientemente, fazemos tudo. 

Por me perder facilmente entre as vozes em minha cabeça, pensei demais. Caí no limbo de tentar reviver o nascimento daqueles passarinhos, senti saudade de momentos nunca vividos, falta de abraços e beijos nunca dados nem sequer planejados. Senti-me sozinha no meio de amigos, de família e no meio da minha própria solidão. Repugnei meu próprio quarto, minhas poesias, minha arte. Senti medo de mim, ódio de mim por chorar e não saber controlar incertezas, neguei ajuda por autossuficiência. Errei deveras. E cada lágrima e insuficiência respiratória foi o meu corpo e mente gritando por socorro que neguei. E se pudesse ter entendido anteriormente, teria feito. O maior medo, talvez, de quem sofre por síndrome de ansiedade é o medo da solidão eterna. O medo de se ver no silêncio ensurdecedor, de se ver parado em meio à correria, de ver a vida como lembrança, de esquecer os nomes e os dias, de chorar seco a perda da vida, de ter o copo mais vazio do que cheio e tentar enchê-lo sem conseguir, de se ver perdido na eternidade do espaço tempo, de ser incessantemente deformado pela vida, de gastar energias alimentando uma solidão que não é tão amiga, de não ouvir mais os próprios pensamentos, de perder amigos, de não conhecer amores, de nunca sair do limbo. 

O que para uns é um pequeno degrau de escada, para nós é a escalada de uma vida. E por mais que não entendidas e ignoradas minhas palavras sejam por você, preciso dizer do fundo d’alma que se cura das dores dessa vida. Há de se chegar o tempo em que respiraremos calmamente todas as lembranças vividas e não esquecidas, sem o pesar nos olhos, com cicatrizes fechadas de feridas de guerra, mas cada uma com a sua história de luta contra tristezas construtivas. Há de se chegar o dia em que o nascer do Sol será a abertura de mais um dia de vida, não um a menos como sempre acreditamos que seria.

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